O ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto.
Esse entendimento foi utilizado pela 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) para trancar a ação penal contra um homem preso por tráfico de drogas.
De acordo com os autos, os policiais militares que abordaram e prenderam o acusado agiram motivados, a princípio, por denúncia anônima de que ele estava vendendo drogas. Na chegada dos agentes ao local, o réu teria tentado fugir, sendo alcançado quando tentava entrar em casa.
Nada de ilícito foi encontrado com o homem na primeira revista feita pelos policiais, mas ele teria confirmado que estava traficando drogas. Segundo o que consta no boletim de ocorrência, o réu teria autorizado os policiais a entrarem em sua casa para buscarem drogas que estariam no local, e ele mesmo teria indicado onde estaria um pacote com crack.
Na delegacia, no entanto, o homem negou tudo. Ele alegou que os policiais invadiram sua casa enquanto estava dormindo e que foi coagido a entregar uma arma aos militares, objeto não confirmado nos autos.
Testemunha ignorada Relator do caso, o desembargador Heitor Donizete de Oliveira destacou que a mulher do réu, que estava no local no momento da abordagem policial, sequer foi ouvida como testemunha. "Ou seja, não consta a comprovação de qualquer autorização de algum morador para entrada dos policiais na residência do paciente. Embora a materialidade delitiva venha demonstrada nos autos, é certo que a prova produzida nos autos principais se encontra eivada de ilegalidade inicial e, por isso, não serve para sustentar uma prisão preventiva, ou sequer uma prisão em flagrante."
O magistrado destacou que os policiais não comprovaram que o suposto tráfico acontecia no local da abordagem. Para o relator, se as informações relativas à traficância feita pelo réu fossem tão relevantes, haveria fundadas suspeitas suficientes para o pedido de um mandado de busca e apreensão para aquele local. Segundo o magistrado, o ponto fundamental que desestabiliza e enfraquece a diligência policial foi a ausência inicial de autorização de entrada na residência.
"O que deve ser salientado é que 'denúncias ou notícias anônimas' de 'colaboradores anônimos', e os pormenores constantes nos depoimentos dos agentes públicos, sem outras comprovações, ainda que indiciárias, não podem ser considerados como atos ou circunstâncias de permissão para uma abordagem, quanto menos uma invasão de domicílio", disse o relator.
O magistrado afirmou que a pedra de toque do caso foi o primeiro ato da atuação policial, que causou a nulidade da invasão de domicílio do réu. "É certo que há uma sutileza na dinâmica do evento, mas tal circunstância é crucial para o reconhecimento da ilegalidade do ato. Ou seja, não podemos descartar a hipótese de que os policiais entraram na casa quando o paciente já estava dentro do imóvel; e ele, ainda que tenha sido abordado entrando na casa, nesse momento, não foi visto praticando nenhum ato de possível mercancia de entorpecentes, e nada de ilícito foi encontrado em sua posse."
Para o relator, toda a diligência policial que se seguiu se mostrou "contaminada e despicienda". "Como inobservada garantia constitucional e disposição legal contidas na lei processual penal, tudo o que se seguiu ao ingresso ilegal no interior da residência do paciente não pode ser considerado, pois estamos diante de prova ilícita, tendo aplicabilidade na hipótese a teoria dos frutos da árvore envenenada."
O relator lembrou que, com a invalidação da prisão em flagrante em razão da ilegalidade da ação, as provas e os atos processuais decorrentes também ficam invalidados. Isso enseja, também, o trancamento da ação penal. O réu foi representado na ação pelo advogado Lucas Hernandes Lopes.
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